Entrevista com Fábio Lopez - Parte I
Pedi ao Fábio que tivesse um "certo poder" de síntese. O que - felizmente - não aconteceu! Então tive que dividir a entrevista para que ela não sofresse nenhuma censura. Vão ser três posts: dois blocos com 5 e 1 extra - polêmico; bem ao gosto do nosso entrevistado. Esse deve ser - a priori - o último post do ano e, em 2006 re-começamos com a entrevista do português Hugo d´Alte. Até lá!
TGM - Em que momento e por que você começou a se interessar por tipografia?
FL - Sempre gostei muito de desenhar letras, antes mesmo de saber o que era tipografia. Mas na faculdade, quando estava no terceiro ano da Esdi (98), eu achei muito interessante saber que era possível e relativamente simples desenvolver uma fonte de computador. Junto com outros cinco colegas de turma percebemos que desse interesse comum poderia surgir alguma coisa, e criamos o coletivo Fontes Carambola. Tínhamos aula com o Rodolfo Capeto e era comum ficarmos depois da hora tirando dúvidas e conversando sobre tipografia. Foi um período muito produtivo e estimulante. Nos encontros do grupo, debatíamos e discutíamos de tudo – até tipografia. Chegamos a montar um portfólio com quase 50 fontes exclusivas que durante o NDesign de Brasília foram vendidas entre uma palestra e uma noitada. Quando o negócio começou a ficar mais sério, as diferenças passaram a dividir o grupo e resolvemos manter as amizades desfazendo o negócio.
TGM - Fale sobre o projeto Colônia.
FL - No ano em que me formei na Esdi (2000), o tema geral dos trabalhos de graduação era ‘transmissão de conhecimento’. Meu trabalho consistia na criação de uma espécie de manual de construção, procurando abordar de forma razoavelmente profunda diversos aspectos da criação de uma fonte de texto. Para ilustrar o projeto, peguei uma fonte de minha autoria e a reconstruí totalmente, analisando e ilustrando cada fase do processo. Aplicando de forma prática uma série de valores e parâmetros técnicos, acreditava que estava facilitando enormemente a compreensão dos dados coletados na extensa pesquisa bibliográfica.
Dessa forma, colônia pode ser compreendida como a parte prática do meu projeto de graduação. A fonte em si é um trabalho interessante, mas sua importância maior reside em ter sido um laboratório de tipografia – servindo ainda hoje como um bom ponto de partida para analisar aspectos funcionais e técnicos de uma fonte de texto. Em 2003 realizei algumas modificações e ampliei a família. A fonte participou ainda de diversas mostras e publicações e foi destaque da bienal de design gráfico da ADG.
TGM - Qual o seu método de trabalho no desenvolvimento de um projeto tipográfico? Qual a melhor e a pior parte do trabalho?
FL - Cada tipografia nasce de um processo distinto, mas até hoje meus trabalhos tiveram origem 100% digital. Nunca derivei um projeto de formas desenhadas ou caligrafadas, e embora muitos considerem isso menor ou inadequado, eu discordo profundamente. Excelentes projetos já nasceram de ferramentas mais simples e não acho que trabalhar diretamente no computador seja um aspecto limitador nesse processo. Com certeza a geometria e o acabamento regular acabam sendo aspectos presentes na criação dos projetos, mas se essa é a estética que você deseja nos seus trabalhos – regularidade, limpeza e equilíbrio – isso não é de forma alguma um problema. Para tipografias de texto essas características têm que ser compensadas com balanço e contraste, para não acabar empobrecendo a composição tipográfica.
O resultado final, no entanto pode depender mais do acabamento técnico da fonte do que do processo de criação, fazendo com que a origem do projeto não seja um aspecto fundamental de sua eficiência. Sobre a melhor e pior parte... Acho que a pior parte é o momento de aparelhar o alfabeto criando sinais, diacríticos, pontuação e etc. Não é raro você se deparar com problemas bastante complicados nessa fase, perdendo três ou quatro vezes o tempo que gastou numa letra resolvendo as curvas de um sinal que pouco será usado. Já a melhor parte acho que é quando se está testando as letras recém-criadas, compondo as primeiras palavras e frases. Muitas vezes nessa etapa nascem expressões curiosas e estranhíssimas, como bolhas de pijama, xenofobia carioca, azeite azul e etc. rs...
TGM - Porque uma revisão de um clássico como a Futura de Paul Renner? Quais foram os objetivos que nortearam o projeto “Futura Renew”?
FL - O projeto nasceu ainda na Redley, como uma espécie de desafio tipográfico. Trabalhando exclusivamente para um público jovem, às vezes é bem difícil encontrar espaço para aplicar tipografias mais clássicas – por uma simples questão de adequação. Entretanto eu me divertia tentando enfrentar certos preconceitos tipográficos, fazendo com que uma boa dose de conhecimento técnico e criatividade pudessem transformá-las novamente em ferramentas úteis. Conhecendo a fundo a estrutura das letras eu realizava pequenas operações plásticas, adaptando as fontes aos objetivos do trabalho.
A Futura já estava com poeira – há anos que nunca havíamos feito nada com ela. A partir de uma análise detalhada de sua estrutura, procurei identificar alguns pontos que prejudicavam sua utilização num contexto mais atual e alterá-los. Acho o resultado muito feliz, porque a fonte modificada foi capaz de conservar a elegância do projeto original e ainda aproximar a tipografia de uma estética mais contemporânea. Embora seja uma alteração não autorizada, é um trabalho respeitoso e sem finalidades comerciais. Revitalizar um clássico como a Futura não deixa de ser uma espécie de homenagem, reconhecendo a importância da fonte na cultura visual do século XX.
TGM - Qual a importância de ter um trabalho selecionado – a Ryad – na mostra 'Letras Latinas'?
FL - Eu fiquei muito feliz. A Ryad é um projeto acadêmico experimental desenvolvido a partir do meu interesse por alfabetos não-latinos. Faz parte de um pacote étnico formado ainda por uma fonte de aparência tailandesa e outra tibetana, que também estiveram presentes na mostra. Com um texto árabe em mãos, comecei a selecionar letras que se pareciam com formas latinas e fui compondo o mapa de caracteres da fonte. O resultado é muito interessante, porque como eu utilizei formas originais do árabe, a emulação fica muito convincente. A leitura se transforma numa espécie de jogo, cujo objetivo é decifrar o texto numa língua um tanto quanto exótica e misteriosa. Além de ter sido destaque na mostra letras latinas, esse trabalho foi comentado na revista TipoGrafica, pelo mestre argentino Rubén Fontana, e foi convidado a figurar na mostra Catalysts! que aconteceu junto a Bienal Internacional de Design de Lisboa, neste ano.