22 dezembro 2005

Entrevista com Fábio Lopez - Extra

TGM - Pirataria de fontes; qual sua opinião sobre esse tema polêmico.
FL - O agravamento da pirataria é um fenômeno que deriva de transformações recentes, principalmente de ordem tecnológica e macro-econômica. Sem entender isso é impossível levar essa discussão adiante e aprofundá-la de maneira correta. A tecnologia digital foi desenvolvida para ser facilmente armazenada, reproduzida, transportada e modificada. Por esse aspecto, foi extremamente eficiente na tarefa de baratear custos em diversas áreas da cadeia produtiva, reduzindo quase a totalidade diversos gastos com produção e comércio. Entretanto, para que a industria pudesse se beneficiar dessa nova tecnologia, ampliando seus lucros de forma extraordinária, foi preciso transformá-la rapidamente num padrão acessível e democrático, o que acabou trazendo também conseqüências negativas ao grande capital. Ao permitir que equipamentos caseiros fossem capazes de manipular essa tecnologia (reproduzir, modificar e transportar arquivos), a indústria tradicional acabou fragilizando o monopólio que possuía sobre os meios de produção e conseqüentemente de acumulação de capital. (algo que deixaria Marx satisfeito em saber...) Já a indústria da pirataria encontrou nas possibilidades democráticas da tecnologia digital uma grande oportunidade.

Paralela a essa grande revolução tecnológica, a política macro-econômico de abertura comercial imposta pelos países ricos agrava a situação nas nações em desenvolvimento, fazendo com que a pirataria e outras práticas comerciais questionáveis funcionem como soluções ou agentes de equilíbrio. Numa situação absurda e covarde de desigualdade econômica gerada pela criação de um mercado globalizado, tais práticas acabam se tornando padrões de mercado, normais e até aconselháveis em alguns casos (como por exemplo na quebra das patentes em relação a remédios contra aids). Tudo isso, acaba contribuindo enormemente para o surgimento de mercados alternativos de consumo, deteriorando principalmente relações de respeito a aspectos imateriais da produção, como direitos autorais e propriedades intelectuais.

Entretanto, diferente do que podem pensar americanos e europeus, nos países em desenvolvimento a pirataria não é vista como um problema - mas como solução. Nesse momento, a grande indústria tenta defender seus interesses e restabelecer regras de mercado que lhes beneficie, exigindo principalmente dos governos dos países em desenvolvimento (onde o problema é mais grave) uma atitude de repressão e punição – o que não funciona e ainda piora a situação marginalizando de vez o mercado paralelo. O Estado deveria trabalhar não apenas em favor da indústria internacional, mas em favor da própria soberania, desenvolvendo alternativas nacionais ao monopólio tecnológico dos países ricos, patrocinando e incentivando a criação de pólos locais de produção intelectual e tecnológica. (como fez a Índia em relação ao desenvolvimento de softwares) entretanto, preferem contabilizar apenas o prejuízo gerado pela redução na arrecadação de impostos, ignorando um prejuízo muito maior causado pela dependência estratégica de seu mercado interno.

No caso específico da tipografia, o principal fator capaz de reverter esse quadro não depende exclusivamente da indústria e de seu questionável código de ética, mas do respeito, do reconhecimento e da qualificação construída pela própria classe profissional. Enquanto continuarmos a repetir um discurso vazio e corporativista, não estaremos propondo nenhuma solução melhor para o problema. Ao engrossarmos de forma inocente o coro antipirataria da indústria tipográfica internacional, estaremos dedicando esforços para proteger uma realidade comercial que também não nos beneficia. A maioria das empresas de tipografia (software e produtos) não tem políticas de estímulo aos mercados emergentes, estabelecendo seus preços de acordo com padrões internacionais completamente fora de nossa realidade econômica. É nosso dever tornar claro à sociedade que a tipografia não deve ser respeitada apenas por leis comerciais, mas pelo seu valor cultural, pelo seu conteúdo técnico e pela sua capacidade estratégica como ferramenta de comunicação. Antes de cobrar respeito e responsabilidade, precisamos desenvolver um trabalho de educação e informação.